RACISMO NA MÍDIA
Por Eloá Custódio
Nos últimos anos muito tem se falado sobre a desigualdade racial no Brasil em canais midiáticos. Apesar de o país ter 55,8% da população se autodeclarando negra, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua de 2018, não há proporcionalidade nos dados que falam sobre qualidade de vida. Essa circunstância reflete nos veículos de comunicação.
Por ter o objetivo de comunicar aos cidadãos e pautar assuntos de interesse público, o jornalismo pode acabar exercendo um papel que não corresponde à sua finalidade, se tornando prejudicial aos negros. Pedro Borges, jornalista e fundador do portal Alma Preta, aponta que a mídia contribui para a manutenção de um sistema excludente. “Temos uma infraestrutura extremamente desigual, concentradora de renda e você precisa de uma superestrutura que faça a manutenção e a justificativa ideológica para que essa infraestrutura continue tão desigual e moendo corpos, assassinando, nos prendendo… então, é a imprensa que vai muitas vezes legitimar esse processo”, afirma o jornalista.
“Temos uma infraestrutura extremamente desigual, concentradora de renda e é preciso uma superestrutura que faça a manutenção e a justificativa ideológica para que essa infraestrutura continue tão desigual e moendo corpos, assassinando, nos prendendo… então, é a imprensa que vai muitas vezes legitimar esse processo”, afirma Pedro Borges.
A colaboração do jornalismo e das propagandas em um sistema racista pode se dar de diversas maneiras: manchetes, comerciais, falta de profissionais da comunicação social, estereótipos em produções dramatúrgicas, ausência de recortes raciais em reportagens, escassez de pautas que contemplem pessoas negras, entre outras. É o que chamam de racismo estrutural.
Após quase 400 anos de escravidão e uma abolição burocrática e longa, o preconceito racial se entranhou na cultura brasileira. Não é à toa que é possível encontrar na língua portuguesa muitos termos que refletem a disparidade causada por esse processo. Nany Kipenzi, psicóloga clínica, afirma que o racismo agrega toda estrutura social. “Ele afeta à todas as pessoas, instituições, organizações, de maneiras diferenciadas, à partir do lugar onde você se posiciona”, reflete.
“Ele afeta à todas as pessoas, instituições, organizações, de maneiras diferenciadas, à partir do lugar onde você se posiciona”, diz a psicóloga Nany Kipenzi.
Estatísticas do Racismo Estrutural
AUTOESTIMA NEGRA
Ainda que muitos discordem, os números comprovam o que muitos negros afirmam: é difícil ser negro no Brasil. Mauro Baracho, mestrando em Antropologia e criador digital do canal Afroestima, relata sua sensação. “Ser preto no Brasil é se sentir um estrangeiro no seu próprio país. As pessoas te olham torto, os seguranças te seguem nas lojas, pessoas apertam o passo quando vêem você. Não é fácil.”, declara.
Essa sensação fica impressa não só no que se fala, mas como se fala. “Notícias sobre pessoas negras e pessoas não-negras numa mesma situação são tratadas, tanto pelo jornal quanto por quem recebe, de maneira diferente”, afirma Nany ao se referir ao jornalismo. “‘Bandido assaltou a drogaria’ ou “Jovem levou não sei o quê da drogaria’: você sabe que bandido é negro e jovem é uma pessoa branca”, exemplifica.
“Ser preto no Brasil é se sentir um estrangeiro no seu próprio país. As pessoas te olham torto, os seguranças te seguem nas lojas, pessoas apertam o passo quando vêem você. Não é fácil.”, declara Mauro Baracho.
O QUE É SER NEGRO NO BRASIL?
"É a sensação de não me encaixar, de não pertencer [...] uma sensação de não pertencimento."
Bela Reis
"É, de alguma forma, remar contra a maré para ter melhores condições de vida, para dar melhores condições de vida para a família."
Maria Gal
"Ser negro e gay é muito complicado. Já passei por muito preconceito, muito bullying."
Lucas Hawkin
"Ser negro no Brasil hoje é uma experiência política de resistência. É sobreviver acima de tudo"
João Raphael Ramos
"Ser mulher negra implica viver sobre uma série de estereótipos de raça e de gênero."
Nany Kipenzi
o papel social do jornalismo e da publicidade
Em geral, a mídia é composta pelos veículos de imprensa e por toda forma de publicidade. Tanto o jornalismo quanto à publicidade têm como principal finalidade a comunicação, independentemente dos objetivos específicos que são almejados. Dessa forma, se faz pensar sobre a responsabilidade que a mídia deve ter ao exercer uma relação com o público. A jornalista Bela Reis considera que o jornalismo tem responsabilidade de fazer recorte racial. “Quando o jornalismo não considera a questão racial como uma variável dos problemas sociais que nós temos, ele tá sendo absolutamente leviano, simplista, reducionista, superficial”, afirma.
O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros indica, no Artigo 6º, que é dever do jornalista “defender os direitos do cidadão, contribuindo para a promoção das garantias individuais e coletivas, em especial as das crianças, adolescentes, mulheres, idosos, negros e minorias”. E como o jornalismo pode contribuir para a promoção dos direitos dos negros?
“Quando o jornalismo não considera a questão racial como uma variável dos problemas sociais que nós temos, ele tá sendo absolutamente leviano, simplista, reducionista, superficial”, afirma Bela Reis.
Para que isso ocorra, é preciso refletir sobre as linguagens e as angulações que são empregadas nas produções dos veículos, até mesmo nas notícias mais corriqueiras. Bela reafirma a necessidade de quebrar o ciclo em que o racismo é naturalizado. “A mídia brasileira é um reflexo do racismo da população. São as pessoas que trabalham nos veículos que produzem esse conteúdo que é tão excludente”, analisa a jornalista.
O Código de Ética dos Profissionais de Propaganda também declara que a “publicidade deve ser livre de toda forma de discriminação seja de gênero, opção sexual, cor, raça, ou condição econômica”. Porém, a democratização das agências de publicidade e áreas de marketing ainda está longe de corresponder ao código. A pesquisa “Qual o Impacto do Racismo na Economia?”, realizada pelo Instituto Locomotiva, demonstra que 90% dos protagonistas das campanhas publicitárias são brancos.
Maria Gal, atriz e apresentadora, analisa o comportamento que as empresas devem passar a ter. “Ter um trabalho de diversidade é uma vantagem competitiva para uma empresa, como já está comprovado em inúmeras pesquisas. Então, acredito que essa será a postura tomada a partir de agora”. Os dados do Instituto Locomotiva indicam ainda que 96% dos consumidores não comprariam de empresas que não respeitam a diversidade de alguma forma.
“Ter um trabalho de diversidade é uma vantagem competitiva para uma empresa, como já está comprovado em inúmeras pesquisas. Então, acredito que essa será a postura a partir de agora”, diz Maria Gal.
Ríllare Bento, estudante de Propaganda e Publicidade, considera que é dever da publicidade pautar a questão racial. “A publicidade tem o poder de fixar as coisas, de construir ou apagar uma imagem. É importante pautar a questão racial não só colocando pessoas pretas em campanhas ou como persona de uma marca, mas observando que lugar elas ocupam e em quais espaços estão os profissionais pretos, seja no mercado ou na academia”, enfatiza.




O QUE QUEREMOS VER NO JORNALISMO
REPRESENTATIVIDADE X ESTEREÓTIPO
O termo representatividade vem ganhando espaço nas discussões acerca das relações raciais no Brasil e no mundo. A falta de pessoas negras em espaços de poder ou na mídia é um um grande problema e demonstra que os lugares reservados às pessoas negras são sempre subalternos e marginalizados. Um movimento tem se formado para gritar aos quatro cantos que representatividade importa.
Em contrapartida à mobilização, há um problema que ultrapassa as plataformas midiáticas: o estereótipo. Devido ao processo histórico que o país passou, ficou impregnada no imaginário cultural a estereotipização das pessoas negras. Os estereótipos são ideias negativas que marcam co povo preto, ou limitações sociais que as pessoas negras sofrem. “A mídia tende a sempre explorar os corpos negros a partir de determinados estereótipos”, pontua João Raphael Ramos, professor e mestre em educação. “É a mulher negra que vai ser representada enquanto a cozinheira ou a empregada. É o homem negro que vai estar sempre sendo representado por um viés de violência”, exemplifica.
“A mídia tende a sempre explorar os corpos negros a partir de determinados estereótipos”, pontua João Raphael Ramos
Ainda de acordo com o Instituto Locomotiva, apenas 6% dos negros brasileiros se sentem adequadamente representados na televisão. Essa estatística diz sobre personagens, modelos, e também profissionais. A falta de representatividade nas mídias não diz respeito apenas à quantidade. A reivindicação se apoia em problemas que este apagamento pode causar nas relações sociais e no comportamento geral da população. “A gente vive num mundo de imagens. Essas imagens são construídas socialmente. Uma vez que você retrata sempre as pessoas negras no mesmo lugar ou de uma maneira subserviente, objetificada e inferior, isso produz uma maneira de ver as pessoas negras na sociedade, isso impacta”, analisa Nanny.
A carência de pretos nos espaços midiáticos também atinge as áreas de produção. Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de Santa Catarina em convênio com a Federação Nacional dos Jornalistas, em 2012, revela que apenas 27% dos jornalistas são negros. O desequilíbrio entre a quantidade de jornalistas negros e a população preta é um fator que influencia no comportamento do jornalismo perante às pautas e recortes raciais.
“É super importante ter jornalistas negros conscientes, que tenham consciência racial. Assim será possível pautar esses recortes raciais dentro do jornalismo”, diz Bela Reis.
Ainda que exista uma mudança notável nas redações brasileiras com mais jornalistas negros em destaques, há um longo caminho para se percorrer até chegar à igualdade. É o que Seimour Souza, estudante de Ciências Sociais e contribuidor do portal Notícia Preta, avalia. “Apesar de nos últimos anos a gente ter uma tentativa maior de inserção de negros no jornalismo televisivo, como Glória Maria, Maju Coutinho, Flávia Oliveira e outros diversos jornalistas que têm feito um trabalho essencial na grande mídia de pensar o jornalismo numa perspectiva que inclua a raça, hoje o jornalismo não me representa e não representa uma parte da população”, completa Seimour.
“Talvez o jornalismo esteja caminhando no sentido de pensar uma outra forma do negro. Está havendo uma tentativa muito pouca, mas importante e necessária”.
A presença de profissionais negros na mídia também afeta quem ainda está começando a conhecer o mundo e precisa de incentivo. Ter outros negros como exemplo pode fazer muita diferença no futuro das crianças negras. “Por uma questão de representatividade, é importante que crianças e adolescentes negros consigam se enxergar na profissão. É interessante que eles percebam que o jornalismo também é para eles. E também que é possível estar na televisão fora dos papéis esteriotipados ”, avalia Bela. “Que saibam que essa profissão também é para eles, que estar trabalhando na televisão também para é eles, que estar com o rosto informando às pessoas também é para eles”.
JORNALISTAS PRETOS
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INTERNET COMO FERRAMENTA ANTIRRACISTA
A internet é uma plataforma que permite às pessoas certa comodidade. É correto dizer que o acesso à informação se tornou mais fácil e imediato depois que passamos a nos conectar por computadores e celulares com acesso à web. Não é à toa que muitos veículos da mídia tradicional migraram para o mundo virtual a fim de oferecer melhores serviços aos consumidores de notícia À medida em que se tornou possível ter informação de maneira mais rápida, também se tornou possível a produção de conteúdos por grupos menores e menos abastados. Hoje, muitas pessoas podem colocar na rede seu pensamento e sua voz e não apenas o programa ícone da cultura de massa, o “Jornal Nacional”.
É comum encontrar grupos virtuais ou portais de notícias que tenham uma linha editorial mais específica do que os veículos tradicionais. Muitos têm o propósito de juntar grupos, divulgar causas ou desenvolver pautas que não são tão comuns fora desse espaço. O Alma Preta é um portal de notícias voltado para as pessoas negras que trabalha pautas utilizando recorte racial. “A necessidade surgiu a partir do ambiente que a gente vive no jornalismo. Tanto do ponto de vista da representatividade, se tem uma ausência de jornalistas negros, quanto uma ausência de cobertura jornalística que leve em consideração o determinante racial”, declara Pedro Borges, fundador do portal.
“A necessidade de criar o Alma Preta surgiu a partir do ambiente que a gente vive no jornalismo. Tanto do ponto de vista da representatividade, se tem uma ausência de jornalistas negros, quanto uma ausência de cobertura jornalística que leve em consideração o determinante racial”, declara Pedro Borges.
Outra forma de falar sobre racismo é através das páginas em redes sociais. Essa foi a maneira que Mauro Baracho encontrou para falar sobre assuntos que tocam especialmente o povo preto de maneira descontraída. “A ideia do Afroestima surgiu para aliviar um pouco tanta notícia ruim sobre racismo no Brasil e também porque acho que precisamos dar o próximo passo: não só denunciar o racismo, mas também nos organizar enquanto povo preto. Para isso a gente precisa se curar das feridas que o racismo deixou na nossa autoestima”.
“Devemos não só denunciar o racismo, mas também nos organizar enquanto povo preto. Para isso a gente precisa se curar das feridas que o racismo deixou na nossa autoestima”, diz Mauro Baracho.
Há também muitos jornalistas que trabalham a temática por conta própria, como é o caso da jornalista Bela Reis. Iniciando a carreira trabalhando na televisão, Bela viu na internet uma oportunidade de fazer algo diferente dentro da área que escolheu atuar. “ Eu enxergava a televisão como um veículo intermediário entre o público e eu. Nas minhas redes sociais eu conseguia falar diretamente com o meu público, sem filtros. Sem edição. Eu podia falar diretamente com o público que eu tava interessada”, conta.
Por se tratar de um espaço em que a comunicação flui dos dois lados, os grupos criam novas maneiras de se comunicar com o público-alvo. A mudança da linguagem é uma delas. “Considero a linguagem uma arma poderosa na luta antirracista. Seja a linguagem verbal da escrita ou da fala, como as expressões artísticas a exemplo de músicas como o rap, funk, samba. São formas de tocar as pessoas e cada pessoa se identifica com uma forma de linguagem”, declara Mauro.
Contrariamente às mídias tradicionais, em que é mais comum encontrar profissionais mais velhos, as novas tecnologias estão repletas de trabalhos desenvolvidos por jovens. “É essencial pensar a juventude enquanto mobilizadora desses temas, enquanto canalizadora para que esses temas cheguem de forma democrática nos espaços que têm que chegar de fato, que é a favela e as periferias”, afirma Seimour Souza.
Utilizando linguagens próprias e dispositivos que permitem produção de qualquer tipo de conteúdo, o jovem negro se torna uma potência na luta pelo fim do racismo e pela diminuição na desigualdade social. Os impactos que essa apropriação dos meios causam, afeta o funcionamento das redes sociais por meio dos movimentos virtuais. Os chamados “Black Twitter”, “Black Facebook” e “Black Instagram” são movimentos cibernéticos que tem como objetivo aproximar as pessoas negras do Brasil e do mundo para discutirem e analisarem o sistema com o propósito de traçar novas táticas contra o racismo.
“As redes sociais amplificam o alcance das pautas com essa dinâmica do compartilhamento, reposte, hashtag, marcar a pessoa no vídeo ou post. Tudo isso é muito poderoso e acho que estamos usando bem as redes para fazer a mensagem circular”, diz o idealizador do Afroestima. O compartilhamento na internet tem a função que vai além de dar espaço para novos comunicadores. Através dessas plataformas, é possível partilhar conhecimento e novas narrativas.
É notável que o acesso ainda não é democratizado, mas a internet já fez diferença no desenvolvimento das novas narrativas e na promoção das novas versões da História. Pedro compara o antes e depois do progresso das tecnologias. “Hoje você tem a possibilidade, por exemplo, de construir um portal de mídia que nem o Alma Preta. Há dez anos, a gente não teria a possibilidade de ter um canal de comunicação nosso. Talvez a gente tivesse só a revista Raça”, pondera.
PARA SUA INFORMAÇÃO
Conversamos com a jornalista Sandra Martins, membro do COJIRA do município do Rio de Janeiro, sobre a atuação da comissão. Aqui vão algumas informações: